A saída temporária sempre foi um dos temas mais debatidos da execução penal brasileira — e, com a promulgação da Lei nº 14.843/2024, passou por mudanças drásticas que impactam diretamente o sistema prisional, os direitos dos apenados e a lógica de ressocialização no país.
O que era a saída temporária e por que ela existia?
Antes de tudo, é importante compreender que a saída temporária tinha como finalidade permitir que o condenado em regime semiaberto, que cumprisse requisitos legais específicos, deixasse a unidade prisional por tempo determinado. Em geral, o objetivo era promover o retorno progressivo à convivência em sociedade, seja por meio de visitas familiares em datas comemorativas ou pela frequência a atividades educacionais.
Além disso, essa possibilidade não era um privilégio. Ao contrário, ela se apresentava como um instrumento legal de ressocialização. Do mesmo modo, o benefício era controlado por critérios rigorosos: cumprimento de parte da pena, bom comportamento, avaliação da administração prisional e decisão judicial fundamentada.
Quais eram os critérios para concessão da saída temporária?
A princípio, o artigo 122 da antiga redação da Lei de Execução Penal previa as seguintes condições para o benefício:
- Cumprimento de 1/6 da pena (ou 1/4 em caso de reincidência);
- Comprovação de bom comportamento carcerário;
- Parecer favorável da direção do presídio;
- Decisão judicial com base na análise individual do caso.
Com isso, o preso podia se ausentar por até 7 dias, com possibilidade de até quatro saídas anuais. Em outras palavras, tratava-se de uma ponte entre o encarceramento e a liberdade definitiva.
O que mudou com a Lei nº 14.843/2024?
Desde já, a principal alteração foi a revogação parcial do artigo 122 da LEP. Agora, a saída temporária fica restrita apenas a uma situação: a frequência a cursos educacionais. Em termos práticos, isso significa o fim da possibilidade de visitar a família em datas comemorativas ou participar de eventos sociais com caráter reintegrador.
Por consequência, também foi revogado o artigo 124 da LEP, que definia regras sobre o comportamento durante a saída — como horários de apresentação e locais proibidos. Dessa forma, o controle sobre o período de liberdade temporária perdeu parte de sua função legal.
Quais argumentos embasaram o fim da saída temporária?
De acordo com os defensores da nova legislação, a mudança visa responder à crescente insegurança pública. Segundo eles, a saidinha teria sido usada indevidamente, com um número significativo de presos não retornando aos presídios, o que gerava sensação de impunidade.
Contudo, os dados oficiais indicam o contrário. Estudos apontam que mais de 95% dos presos retornam no prazo estipulado. Sendo assim, a generalização de exceções para justificar uma alteração estrutural levanta sérias dúvidas sobre a eficácia real da medida.
Quais os impactos jurídicos da nova lei?
A saída temporária era parte essencial da progressão penal?
Sem dúvida. O regime semiaberto pressupõe uma flexibilização gradual do encarceramento. Ao impedir o apenado de sair mesmo em ocasiões previamente autorizadas, o novo modelo compromete a essência da progressividade.
Logo, a nova norma pode ser vista como um retrocesso, pois iguala o regime semiaberto ao fechado em diversos aspectos práticos, sem qualquer compensação legal correspondente.
A medida é compatível com os princípios constitucionais?
Sob o ponto de vista jurídico, a nova regra pode afrontar diversos dispositivos da Constituição Federal. Por exemplo:
- A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III);
- A individualização da pena (art. 5º, XLVI);
- O direito à educação como forma de ressocialização.
Ou seja, há margem para que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja instado a julgar a compatibilidade da nova lei com os fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro.
Qual o impacto para a ressocialização do condenado?
A saída temporária funcionava como uma ferramenta concreta de reaproximação social. Analogamente, permitia que o indivíduo testasse, sob supervisão, sua capacidade de retomar vínculos e responsabilidades. Com o fim do benefício, o apenado permanece em isolamento institucional até o último dia de pena — o que pode aumentar as chances de reincidência.
Por outro lado, a ausência de mecanismos intermediários torna o processo penal mais punitivista e menos educativo, rompendo com o modelo moderno de execução progressiva e humanizada.
Existe risco de superlotação e tensão no sistema carcerário?
Sim. Eventualmente, a retirada de direitos historicamente reconhecidos tende a gerar frustração e instabilidade entre os detentos. Ao mesmo tempo, a ausência de incentivos pode comprometer a disciplina nas unidades prisionais.
Além disso, a superlotação continua a ser um dos maiores desafios do sistema penitenciário brasileiro. Dessa forma, eliminar instrumentos de alívio e reintegração social pode agravar ainda mais a crise estrutural.
A nova saída temporária se limita a que casos?
Conforme o novo texto legal, a única hipótese remanescente de saída temporária diz respeito à frequência em cursos supletivos, profissionalizantes, de ensino médio ou superior, e apenas se esses ocorrerem na mesma comarca do juízo da execução.
Portanto, o direito à educação foi mantido, mas com uma limitação territorial que pode inviabilizar o acesso real de muitos presos, sobretudo em comarcas pequenas ou com pouca oferta educacional.
Existe possibilidade de reversão ou revisão da nova lei?
Atualmente, parlamentares e juristas já discutem ações de inconstitucionalidade contra a Lei nº 14.843/2024. Em paralelo, movimentos sociais e instituições de direitos humanos também têm se mobilizado, argumentando que a norma desrespeita conquistas históricas da execução penal brasileira.
Nesse ínterim, é possível que novas interpretações judiciais surjam para equilibrar os efeitos da norma. Ainda assim, até que haja decisão contrária, a regra vigente é a supressão quase total da saída temporária.
Concluindo,
Por fim, a revogação da saída temporária para visitas familiares representa uma ruptura significativa com o modelo de ressocialização adotado nas últimas décadas. Como resultado, a execução penal brasileira se torna mais rígida, com menor foco na reintegração e maior aposta no isolamento.
Ou seja, ao restringir direitos baseados em exceções, corre-se o risco de enfraquecer ainda mais um sistema já sobrecarregado. Portanto, é essencial acompanhar os desdobramentos legais, sociais e constitucionais dessa mudança, que promete reconfigurar o papel da pena no Brasil contemporâneo.
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